Dois dias antes de vovó morrer, eu a desenho em uma folha de papel. Peço ao Mistério que me permita sonhar com ela se for de meu merecimento. Quero saber como vovó está.
Sonho, então, que voo pela cidade, parando em pontos específicos para me encontrar com minha mãe. Com a chegada do pôr-do-sol, a temperatura do ar muda e desestabiliza meu vôo. Escolho pousar na casa de minha outra avó, a que permanece viva, apelidada de Tê.
No sonho, Tê conversa com minha mãe ajoelhada no chão. Eu me sento com elas. De repente, vejo vovó sentada no sofá de frente pra mim. Só eu a vejo.
Entudaba e vestida de hospital, vovó me diz:
“Minha filha, está tudo bem comigo. Estou indo para os braços do Meu Senhor...”
Vovó morreu 36h depois, quando nos chega uma frente fria e uma chuva orvalhada chora conosco no Céu. Em Terra, os primeiros traços da Lua Nova estão visíveis.
Velamos seu corpo e presenciamos um enterro bonito. Frio, sol e pássaros combinam com o azul claro do Inverno enquanto o caixão se achega na cova que o guardará pelas Eternidades.
Reunidos em horário comercial, parentes e amigos são licenciados pela Morte. No centro daquela cena, está o coveiro, quase invisível, muito embora todos olhem em sua direção. “Sinto muito”, diz, baixinho, retirando-se com delicadeza e suor depois de tapar todo o buraco sem descansar um instante sequer.
Nos ritos de passagem, ouço algumas vezes que minha avó foi “uma mulher temente a Deus” – uma expressão que capta minha atenção. Vovó era, mesmo, de muita fé. Lia a bíblia todos os anos, um pouquinho a cada dia. Seguia fielmente um plano de leitura pronto. Enviava-me quase que diariamente versículos bíblicos pelo zap, aconselhando-me que meditasse sobre eles.
“Beijos da vovó”, escrevia, por fim.
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🌹 Juiz de Fora, 7 de setembro de 2022
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