"Ali, eu e Minha Mochila nos preparávamos para a última noite de mais uma caminhada juntas. Dormiríamos a sós – eu, ela e as formigas –, o saco de dormir apoiado no isolante estirado no chão, cobertas por uma lona que eu não soube esticar tão bem, em um começo de mato mais ou menos perto da casa de apoio da expedição."
Encontrei essa sequência de fotos enquanto apagava memórias que as Nuvens guardam de mim.
Os registros são do novembro de 2018, quando fui parte de uma travessia por montanhas cariocas. O convite era que experimentássemos uma breve comunidade de caminhantes dispostos a cuidarem uns dos outros e a praticar olhares mais atentos para a Vida.
Ali, eu e Minha Mochila nos preparávamos para a última noite de mais uma caminhada juntas. Dormiríamos a sós – eu, ela e as formigas –, o saco de dormir apoiado no isolante estirado no chão, cobertas por uma lona que eu não soube esticar tão bem, em um começo de mato mais ou menos perto da casa de apoio da expedição.
Nossa noite seria difícil: primeiro, viria a chuva, depois a febre, depois as formigas e, por fim, os pernilongos. É bem possível que a Vontade De Chorar também estivesse conosco. Escreveríamos uma carta que eu nunca recebi... E acordaríamos no dia seguinte disponíveis para os cuidados e carinhos da comunidade caminhante.
Hoje, a Mochila que me carrega tem quase o dobro do tamanho desta que posa na foto comigo. Minha Mochila Primeira, por vezes apelidada de Monstra, esteve comigo entre 2014 e 2020. Agora, Monstrinha se guarda na casa de Minha Mãe, com a Pena De Urubu do Meu Primeiro Sertão Da Caatinga pregada no zíper.
É que aprendi, caminhos adentro, a criar-me talismãs e feitiços de proteção.
E ainda aprendo, caminhos afora, a carregar meus pesos e a rir das quebras de expectativa – depois, claro, de frustrar-me com elas.
Reflito paradoxalmente sobre o sonho gostoso de ter minha própria casa com o impulso profundo de manter-me em estado de viagem até que o Caminho me confie mais e mais de seus encantos.
Sigo ganhando surpresas do Futuro que pertence ao Mistério...
Lia Rezende Domingues
Bahia, 12 de março de 2021
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