"Faço morada em um lugar onde posso voltar andando só para casa mesmo tarde da noite. As ruas são de terra e eu caminho com uma lanterna pregada na testa – tipo um terceiro olho vermelho. Nas vendas, tem tahines, sabonetes, biscoitos, cafés, pastas de amendoim, granolas e alfajores feitos por moradores daqui. Toda quinta tem feira e toda feira tem apresentação de músicos e palhaços no coreto ao lado das barracas."
Este texto me veio depois de uma Filha da Terra me conduzir pelos “descansos de minha vida”.
"Os descansos", disse-me ela, "são esses momentos em que Algo Se Cumpre: uma parte se morre e outra coisa se nasce".
Marcos. Ciclos. Vida-Morte-Vida.
Por vezes, tenho sido atravessada por um sentimento de “cheguei”. Costuma ser quando me deito na cama para apreciar a licença da Noite pro Dia, a troca das paisagens. Contemplo o Morro Branco se acolorar. O Canto Da Mata mudar. A Recolhida Do Sono ficar mais perto.
Faço morada em um lugar onde posso voltar andando só para casa mesmo tarde da noite. As ruas são de terra e eu caminho com uma lanterna pregada na testa – tipo um terceiro olho vermelho. Nas vendas, tem tahines, sabonetes, biscoitos, cafés, pastas de amendoim, granolas e alfajores feitos por moradores daqui. Toda quinta tem feira e toda feira tem apresentação de músicos e palhaços no coreto ao lado das barracas.
Sentada na janela de Meu Quarto, eu vejo as Estrelas Do Céu enquanto escuto cachorros, grilos e asas de morcego voando por perto. Estou na altura da copa das árvores e respirá-las através das grandes janelas de vidro é a primeira coisa que faço todos os dias ao acordar. Vivo guardada por essas Montanhas Que Tudo Veem... Sou forasteira em um arraial de muitas camadas, feito cebola.
É claro que a Vida continua sendo a Vida mesmo em recantos como este. E eu continuo sendo uma menina-moça-mulher com meus demônios, vazios e desamores-internos. Passamos dias seguidos de chuva, cinco deles sem luz em Terra Mãe. Há estes instantes em que acho curiosa a similaridade do que está fora com o que está dentro de mim. Respiro desconfortos, amplio-me, ensaio de transformar limões em limonadas. Celebro.
Penso nos Privilégios, nas Escolhas e nas Ancestralidades que me permitem estar Aqui e Agora.
Penso que cheguei.
Descanso.
Lia Rezende Domingues
Caeté-Açu, Chapada Diamantina/BA
14 de abril de 2021
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